Paraíso Perdido

20 de agosto de 2018

Assino a trilha sonora incidental desse filme lindo da Monique Gardenberg. Escrever música pra cinema é bom demais.

A direção musical é de Zeca Baleiro e o elenco inclui: Lee Taylor, Julio Andrade, Julia Konrad, Jaloo, Erasmo Carlos, Seu Jorge, Hermila Guedes e Malu Galli.

Veja abaixo duas críticas sobre o filme:

 

GLOBO.COM :

É difícil acreditar que o cantor que há duas semanas fez o público carioca dançar, ao apresentar o show da turnê Mestiço pela primeira vez na cidade do Rio de Janeiro (RJ), seja também o ator que está sendo visto desde quinta-feira, 31 de maio, na pele da drag queen cantora Imã, uma das personagens da galeria afetuosa de loosers de Paraíso perdido, primeiro filme dirigido por Monique Gardenberg desde Ó paí ó (2007), exibido há onze anos.

Mas, sim, trata-se da mesma pessoa. No caso, de Jaime Melo, cantor, compositor e (a partir de agora) ator nascido há quase 31 anos na cidade paraense de Castanhal (PA). Com o nome artístico de Jaloo, este cantor que emergiu nos presentes anos 2010 na cena tecnobrega de Belém (PA) brilha como ator nesse longa-metragem que segue o tom melodramático da canção popular de cepa mais sentimental. Em bom português, da música caracterizada como brega no dicionário da elite cultural do Brasil.

Em cena, Jaloo também canta, pois Imã é uma das atrações musicais da boate Paraíso perdido, cenário que concentra a maior parte da ações deste filme que também traz no elenco outros cantores que se saem bem no papel de atores. São os casos de Seu Jorge e de Erasmo Carlos, que estava afastado do cinema desde 1984.

A canção popular romântica do Brasil dos anos 1970 e 1980 é, de certa forma, a personagem central deste filme, conduzindo a trama ambientada nos dias de hoje. Fundamental para criar a empatia do espectador com a história, a trilha sonora foi construída sob direção musical de Zeca Baleiro, cantor e compositor maranhense que sempre direcionou olhar afetivo para a produção autoral de cantores e compositores populares como Odair José, Reginaldo Rossi (1944 – 2013) e Márcio Greyck.

Do repertório de Greyck, aliás, Jaloo – ou melhor, Imã – dá voz à balada Impossível acreditar que perdi você (Márcio Greyck e Cobel, 1971), clássico da sofrência que, a rigor, é a mesma sofrência que reverbera na recente canção Say goodbye, lançada por Jaloo em março como primeiro aperitivo do segundo álbum do artista, ft., previsto para o segundo semestre deste ano de 2018.

Ao longo do filme, cuja trilha incidental foi orquestrada pelo compositor e músico Lourenço Rebetez, outras (belas) canções do mesmo estilo popular são interpretadas no palco da boate Paraíso perdido pelos atores do longa-metragem. Um exemplo é o maior sucesso da carreira do cantor pernambucano Augusto César, Escalada (Jorge Silva e Carlos Sérgio, 1987), que ganha a voz de Júlio Andrade, ator excepcional que encarna Angelo, filho do patriarca José, vivido por Erasmo Carlos. Merece, a propósito, menção honrosa a cena em que Angelo dubla a gravação original de Minha coisas (Rossini Pinto, 1970), canção celebrizada na voz do goiano Odair José, ídolo da canção popular brasileira da década de 1970. Todos amam (e todos sofrem) na trama.

Cerca de 20 músicas do gênero aparecem ao longo do filme, muitas na voz de Jaloo que, na pele da fictícia Imã, mostra uma segurança vocal que ainda não havia sobressaído nas gravações feitas pelo artista na vida real. É Jaloo quem canta De que vale ter tudo na vida (José Augusto, Miguel Plopschi, Marcelo, Salim) – canção que alavancou em 1973 a carreira do cantor carioca José Augusto – e Não diga nada (Leonardo Sullivan, 1981), hit na voz do cantor Gilliard. Jaloo segue trilha que desemboca em Amor marginal (2012), música do cantor e compositor Johnny Hooker, seguidor das tradições sentimentais da canção popular. Com a voz aveludada de timbre acariciante, Seu Jorge também brilha, revivendo Doce pecado, música do cantor e compositor Fernando Mendes lançada na voz de Reginaldo Rossi, ícone desse gênero de canção celebrado no filme.

Um dos méritos da trilha sonora – e da direção musical de Zeca Baleiro – é ter ido além dos maiores clássicos do cancioneiro sentimental brasileiro. Há evidentemente alguns standards, como o bolero Tortura de amor (Waldick Soriano, 1962). Mas há também músicas menos ouvidas e regravadas. Voz dominante no roteiro musical, Jaloo canta uma delas, Jamais estive tão segura de mim mesma, música da lavra popular de Raul Seixas (1945 – 1989) lançada na voz da cantora Núbia Lafayette (1937 – 2007).

Outra – Não creio em mais nada (Totó, 1970), sucesso do cantor capixaba Paulo Sérgio (1944 – 1980) – é interpretada por Júlio Andrade. E há, ainda, a ousadia estilística de incluir na trilha sonora um sucesso de Roberto Carlos composto com o parceiro Erasmo, 120…150…200 Km por hora, ouvido na gravação original feita pelo Rei da sofrência para álbum lançado em 1970, mas também cantarolada por personagens como o gentil José, vivido pelo gigante Erasmo.

Com essa seleção musical e esse elenco, o filme Paraíso perdido ganha o espectador porque, mesmo minimizada na bibliografia musical brasileira, a antiga canção popula romântica nacional ecoa na memória afetiva do país, atravessando modismos e gerações.

 

FOLHA DE SÃO PAULO (Thales de Menezes)

Ao escolher como cenário uma boate de música brega, “Paraíso Perdido” faz uma delicada homenagem a um gênero musical que resiste ao tempo. Talvez porque exprima valores humanos universais em suas letras que pendem ao desencanto amoroso.

Em uma canção brega, o narrador sobrevive às adversidades. Acontece o mesmo com os personagens do sensível filme de Monique Gardenberg.

Paraíso Perdido é o nome da casa noturna de administração familiar, comandada pelo cantor veterano José, tipo sob medida para um Erasmo Carlos que leva à tela o charme rude que lhe valeu o apelido de Gigante Gentil. Outro cantor no elenco é Seu Jorge, no papel de Teylor.

Mas quem surpreende mesmo na passagem da música para a atuação é Jaloo, que interpreta Ímã, neto de José. Ele é um cantor crossdresser, o caçula paparicado do clã musical. Alguns de seus números são incríveis, e Jaloo representa com desenvoltura um papel amplo e complexo na trama.

Como em todos os filmes de sua carreira, Julio Andrade é o grande ator em cena. Como Angelo, filho de José e tio de Ímã, ele é o motor do filme. Ele tem uma filha, Celeste, interpretada por Julia Konrad, também cantora na boate.

Mais uma vez, Julio Andrade compõe um personagem intenso, que convence e cativa qualquer espectador. E canta muito. Dá até vontade de comprar discos de Angelo, caso esses existissem.

O enredo se desenrola à espera do retorno de Eva (Hermila Guedes), a mãe de Ímã, prestes a deixar a prisão depois de cumprir muitos anos de pena por assassinato. Na cadeia, mantém uma relação com Milene (Marjorie Estiano), que também irá interagir com o núcleo familiar.

Além dos ótimos números musicais no palco do Paraíso Perdido e do elenco afiado, um acerto do filme é criar um personagem que vai conhecendo aos poucos os membros da família e descobrindo seus segredos. Ele conduzirá o espectador durante a sessão.

Lee Taylor vive o policial Odair, que fortuitamente socorre Ímã de um ataque de homofóbicos na calçada da boate. Preocupado com essas agressões, que são corriqueiras, José acaba contratando Odair para um bico como segurança do lugar. E ele participará bastante dos desdobramentos da história com a chegada de Eva.

“Paraíso Perdido” é encantador, o longa mais atraente da filmografia de Monique Gardenberg, que inclui “Jenipapo” (1995), “Benjamim” (2004) e “Ó Paí, Ó” (2007).

Seu roteiro se encaixa com as músicas escolhidas por ela nesse universo musical tão popular, mas não exatamente muito famosas. É um lado B do brega, que funciona muito bem na narrativa.

O único complicador na trama é um excesso de personagens. Na parte final, o roteiro tenta enredar todos eles numa mesma história, e as conexões ficam tênues, até um pouco confusas. Mas isso não chega a afetar a agradável experiência musical e cinematográfica do filme.